João Donha e a tradução para português de “O Livro dos Espíritos”, de Allan Kardec

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João Donha – Professor de Português e de História, poeta, escritor e notável estudioso e divulgador espírita de Curitiba, Paraná – Brasil

João Donha - Espiritismo Esta fotografia mostra o cabeçalho do blogue “João Donha – espiritismo” e representa o seu autor, já há alguns anos evidentemente, à entrada da “Passage de Ste. Anne”, em Paris, designação que em português se poderia traduzir como “Galeria de Santa Ana”. Como curiosidade, antes de termos começado a dedicar-nos integralmente à investigação da cultura espírita, estivemos um tempo em Paris, de visita a um filho que ali se encontrava. Movidos por qualquer espécie de intuição, visitámos demoradamente toda esta área histórica da cidade, incluindo, evidentemente o interessantíssimo e muito conhecido espaço do Palais Royal. Na altura não tínhamos a noção exacta, como agora, de que ali trabalhara tão afincada e generosamente Hipólito Leão Denisard Rivail, na produção da grande obra que mais tarde iríamos ler, estudar e traduzir!...
Para ter acesso a “João Donha – espiritismo”, um blogue muito rico de conteúdos de pensamento e cultura espírita, é favor clicar na imagem.


A seguir o comentário do professor João Donha, conforme foi publicado no já mencionado blogue de sua autoria:

PRIMEIRA (E ÚNICA) TRADUÇÃO PORTUGUESA DO LIVRO DOS ESPÍRITOS


A primeira tradução para a língua portuguesa de um livro de Allan Kardec foi feita em 1862, pelo francês Alexandre Canu, secretário nas sessões da Societé Spirite. Trata-se do “O Espiritismo em sua mais simples expressão”, publicado em Paris pelo editor autorizado pelas duas coroas, brasileira e portuguesa, que bastante influenciou a entrada do espiritismo no Rio de Janeiro, segundo o próprio Kardec.
Depois disso, iniciaram-se as traduções das obras de Kardec para o português feitas por brasileiros e lançadas no Brasil.
Posteriormente, edições dessas traduções passaram a ser feitas também em Portugal, com as costumeiras adaptações quanto às peculiaridades regionais do idioma. Adaptações feitas em toda a literatura. Só o Saramago não permitiu; por isso, suas obras são lidas no Brasil tal como escritas em Portugal.
Mas essa lacuna (a falta de uma tradução para o português de Portugal das obras de Kardec) começa agora a ser suprida pelo casal José da Costa Brites e Maria da Conceição Brites, com a publicação de “O Livro dos Espíritos”.
Eu disse “começa”, porque o desafio é lançado, a ser cumprido por eles ou por outros, para que a tradução das demais obras de Kardec também se faça ao som da beleza original do nosso idioma, “última flor do Lácio, inculta e bela” como lembra Olavo Bilac em seu imortal soneto.

E, podemos dizê-lo sem medo de exageros, lacuna preenchida de forma brilhante. Costa Brites e Maria da Conceição (ou, simplesmente São, como ela simpaticamente se coloca numa rede social) têm um excelente domínio do francês e perfeita consciência da dinâmica histórica a influenciar constantemente uma língua, de forma que, não fizeram apenas uma tradução para o português: fizeram uma tradução para o Século XXI. O cuidado com a expressão correta, clara e precisa dos conceitos transmitidos nesta obra (que se insere no rol das grandes obras sintetizadoras da cultura ocidental) norteou seu trabalho. Um elucidativo, instigador e inteligente prefácio, somado às oportunas “Notas Finais” (que são referenciadas ao longo do texto em negrito e entre colchetes), tornam a leitura desta tradução perfeitamente digerível pelo iniciante no conhecimento espírita e, imprescindível para o estudioso aplicado da doutrina.

A proposta de Costa Brites se resume num brado: “OLE – obra viva, obra aberta!” Pois, segundo ele me disse num e-mail: “a cultura espírita, os espíritas, sobretudo aqueles que têm o privilégio de falar com os Espíritos, nunca deveriam ter parado de avançar na pesquisa mediúnica, abrindo cada vez mais o património das informações”. E finaliza com um vibrante e oportuno desafio que, aliás, é também a minha opinião: “quem não estiver de acordo com o nosso trabalho, tem uma proposta antecipada que lhe apresentamos: façam uma tradução para proveito próprio, com todo o empenho e interesse cultural” (…) “No dia em que todos os espíritas tiverem feito uma tradução para seu próprio uso, talvez se tenham dados passos em frente, que nos expliquem de forma consistente ‘a natureza, origem e destino dos Espíritos e as suas relações com o mundo material’, com todas as respetivas facetas e horizontes”.

Enfim, eis a obra. “O Livro dos Espíritos”, Allan Kardec, tradução de José da Costa Brites e Maria da Conceição Brites, Luz da Razão Editora, Portugal, 2017.

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Comentário a este texto inserido por nós no blogue de João Donha :

Caro professor João Donha,

Os autores da tradução de “O Livro dos Espíritos” diretamente do francês original para português da atualidade agradecem reconhecidamente a atenção posta na leitura e na observação cuidadosa do trabalho que fizemos com tanto gosto e interesse proveitoso.
Com efeito, a motivação principal que nos dirigiu foi a de colhermos ensinamentos para nós mesmos, acompanhando todas as fases da tradução com a necessária pesquisa a respeito de todos os temas que mereciam essa atitude.
A intenção última foi a de servir o melhor possível, e simultaneamente, o interesse da cultura espírita e do português de Portugal que aprendemos na escola, na vida e no maravilhoso alento das palavras de nossas Mães.
O resultado mais feliz dessas observações foi o de termos conseguido estabelecer uma construtiva intimidade intelectual com a obra de Allan Kardec e dos ensinamentos dos Espíritos que nos deu a conhecer com tão elevado critério de ordenação metodológica.
Ao autor deste blogue e a todos os seus visitantes as nossas melhores saudações.

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No largo espaço da Internet cabe perfeitamente, e na nossa sensibilidade claramente se justifica, uma breve imagem do que aprendemos a respeito de João Donha. O perfil e as poesias vão inseridas porque valorizam esta página.
Se a Internet não servir para encontrar e conhecer pessoas e enriquecer a nossa visão da vida, para que servirá ela?
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JOÃO ALBERTO VENDRANI DONHA, professor de Português e História, de Curitiba, Paraná, Brasil.
A si mesmo se qualifica como:

Ex-professor eventual de português e história;
ex-quase-escritor;
ex-funcionário de estatal;
… Algumas publicações infanto-juvenis; artigos e poesias em diversos periódicos.
E… nada a “completar”… A não ser o exercício atual de duas profissões não regulamentadas (graças a Deus):
a de “fiscal da natureza”, exercida na rive gauche do rio Cachoeira,
e a de “palpiteiro contumaz”, que pode ser verificada aqui no blog.

PUBLICAÇÕES:
“Os Gatos de Angaetama” (1979, CooEditora; 1985, Criar; 1995, HDLivros).
“Pelos Outros, Pela Gente” (1980, CooEditora).
“O Lambari Comilão” (1985, Criar).
“Brás Brasileiro” (1986, HDV).
“Espaço Agrário” (1980, Vozes).
“Os Desconhecidos” (1979, Beija-Flor).

Quase Poemas

Cb. 19.2.2007

RIO TEMPO

Estou num corpo, que está num barco, que desce um rio.
Saí da fonte para a foz, e estou em meio do caminho.
Para mim, a fonte é o passado e a foz é o futuro.
Se paro ou me volto as coisas se invertem.
Pois a fonte tem águas que ainda não vi,
o que faz que elas sejam o futuro,
enquanto que a foz são águas passadas.
Mesmo quando me movo ao longo do rio,
tendo a fonte como passado, lá estão surgindo novas águas;
portanto, em meu passado surgem novidades.
Mas as novidades não são coisas do futuro?
Se o futuro é a foz, suas águas podem ter passado por mim;
então meu futuro é conhecido, pois é feito de águas passadas.
Oh, meu Deus, minha vida gira como as voltas deste barco,
tendo o passado e o futuro sempre no presente.

9.7.2008

DIONÍSIO E APOLO

Se somos antes de ser; se temos categorias a priori; se somos uma centelha divina; se temos uma consciência prévia dada por Deus, lá no fundo e tal, esta verdade indemonstrável mas irrefutável, me indica que todo o saber é adquirido pela intuição, e a razão só lhe dá forma. Assim foi na fase inicial do conhecimento humano, e assim deve permanecer no desenvolvimento científico. A razão não é capaz de gerar novos conhecimentos, mas, simplesmente conformar o conhecimento intuitivo. É evidente; basta apenas observar que, quanto mais racional é uma pessoal, mais previsível ela é, e quanto mais intuitiva, mais criativa e genial. Isto não só porque a pessoa que se aferra apenas à razão se torna prisioneira da previsibilidade inerente a essa faculdade, mas, também, porque está fugindo à sua verdadeira natureza.
Viver é melhor que conhecer.

22.4.2009

A CIDADE

Sonho com a cidade da minha infância,
com muros baixos e portões abertos,
fechados apenas no mês de cachorro louco.
Agora, os cachorros estão sempre loucos
e saltam aterradores nos quintais,
obrigando todos a terem grades e
muros altos…

3.9.2009

POEMIAS

Eu não sirvo prá amigo,
nem prá companheiro,
muito menos prá correligionário,
aliás, eu não sirvo prá co-
isa nenhuma: sou apenas um indivíduo.
E da minha individualidade
(ou seria individualismo?)
eu não abro mão.

A contradição vivida
é que no exercício da minha
individualidade
(ou seria individualismo?),
eu dou-me o direito
de não ter opinião definida;
tê-la, portanto, dividida.
E o in-divíduo
é algo não divisível.

.1990

ECLESIASTES

Vaidade de vaidades, disse o Eclesiastes.
Que proveito tiras tu, ó trabalhador,
Do trabalho com que sempre te desgastaste
Debaixo do sol, a não ser a tua dor?

O sol nasce todo dia e torna a se por
Uma geração vem, outra geração parte
Por mais que pense não se livra do Criador
Filosofia, religião, ciência e arte.

Na calha do tempo se esvai inveja e amor
Seja puro ou pecador, não ilude a sorte
A tragédia com mais furor atinge o forte.

E por mim, que se dane burro ou pensador
Tudo é vaidade, pois que seja como for
Sábio e insensato encontram a mesma morte.

.2012

EU POETA?

O poeta senta e escreve
Eu apenas sinto e ouço
A sinfonia dos sabiás
Na hora mágica das cinco.
É muita paz e felicidade
Ainda que não sendo, só estando,
Mesmo que não tendo, só amando.

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PALAVRAS DE JOÃO DONHA
UMA APRESENTAÇÃO LÚCIDA E INTELIGENTE
DA PERSONALIDADE E DO VALOR DO TRABALHO DESENVOLVIDO POR ALLAN KARDEC:

Prefácio dos tradutores de “O Livro dos Espíritos”

Prefácio dos tradutores

Com sugestões de leitura e requisitos essenciais para entender a obra

Esta nova tradução de O Livro dos Espíritos, da autoria de Hipólito Leão Denisard Rivail, sob o pseudónimo de Allan Kardec, foi feita pelos abaixo-assinados diretamente da língua francesa, conforme a segunda edição original de 1860, de modo a torná-lo acessível a todas as pessoas que falam a língua portuguesa dos dias de hoje, isto é, do ano de 2018.
Destina-se tanto a leitores espíritas como não espíritas, tendo sido este pre­fácio especialmente redigido para pessoas não espíritas, dando a conhecer as condições essenciais para aceder à mensagem da obra e aos seus ensinamentos. Além da renovação linguística, esta versão do livro contém algumas dezenas de comentários de contextualização cultural, publicadas no fim do mesmo e designadas como “Notas finais”. Têm a finalidade de esclarecer certas palavras e ideias que se encontram deslocadas ou desatualizadas, devido à antiguidade histórica do escrito original.
O que aqui fica dito resulta da imensa admiração e respeito que temos pelo ensinamento dos Espíritos, na forma que foi metodicamente organizada por Hipólito Leão Dénisard Rivail, aliás Allan Kardec.
Como autores da tradução, deste prefácio e das Notas finais, obedecemos exclusivamente, na forma e no conteúdo desse trabalho, à nossa consciência cultural e moral, visto que não somos membros de qualquer organização religiosa, ideológica ou política.

O espiritismo falado em português de Portugal

Tendo procurado traduções de acordo com o português de Portugal dos dias de hoje, só encontrámos versões revistas para português, mas visivelmente subsidiárias das antigas traduções brasileiras, com todas as respectivas características.
Pensamos que não é prestigiante para os espíritas portugueses terem dei­xado passar tanto tempo sem afirmarem uma desejável autonomia cultural, que tivesse realizado a tradução completa de todos os muito notáveis trabalhos de Allan Kardec, incluindo a Revista Espírita, que teriam ganho, junto dos utilizadores da es­plêndida língua portuguesa, mais vigor e trato familiar.

Carácter da obra e suas qualidades essenciais

O Livro dos Espíritos trata de assuntos de índole universal, cujo conhecimen­to é indispensável a todos os seres humanos conscientes do seu devir ontológico.
O Livro dos Espíritos fornece informações concretas e baseadas em factos, explicando de onde viemos antes de nascer e para onde vamos depois da morte, bastando uma consulta cuidadosa ao índice para ter uma ideia dos seus conteúdos científico-filosóficos e bem assim dos seus objectivos morais.
Pormenoriza a natureza e o significado de fenómenos de todos os dias, dos mais simples aos mais complexos, e qual a atitude mais recomendável para enfrentá-los. Esclarece-nos acerca da alegria, da tristeza, da saúde e das enfermidades, da razão de existirem ricos e pobres e por que razão há pessoas que nascem belas, inteligentes e afortunadas e há outras que nascem com dificuldades, tristezas e até desfiguradas fisicamente.
O Livro dos Espíritos fala com profundidade do bem e do mal, ajudando-nos a compreender a sua complexidade, por vezes desconcertante. A cultura que nos apresenta tem o intuito de melhorar o entendimento do mundo e de reforçar a nossa consciência em clima de responsabilidade sem medo; não obriga ninguém a nada, não é uma religião, não configura um catecismo; apresenta uma visão otimista da vida e alarga os caminhos que conduzem à paz dos indivíduos e da sociedade no seu conjunto.

[1 – O espiritismo é uma religião?]

(NOTA: esta numeração passa a ser inscrita em certos pontos do texto e diz respeito às “Notas Finais” de contextualização cultural, que convirá ir consultando.)

Sugestões para a leitura de O Livro dos Espíritos:

Para quem começa, este não é um livro para ler de empreitada, como uma peregrinação e, muito menos, como uma penitência. Alguns conselhos que aqui registamos aumentarão a receptividade de muitos leitores, dando-lhes a exata noção do que vão encontrar pela frente.
Allan Kardec dedicou uma parte muito importante da sua argumentação com os leitores dirigindo-se, naturalmente, às pessoas do seu tempo. Um número significativo de textos é dirigido aos “opositores”, aos “incrédulos” e aos “adversários” do espiritismo. Nesse tempo, diferentemente do que se passa hoje, escasseavam as actividades lúdicas, e a comunicação social, como a conhecemos hoje, estava à distância de muitos anos. Havia, portanto, certas pessoas que, com a popularidade das “mesas girantes” e das “reuniões espíritas” em geral, se aproximavam desse fenómeno para o contestar, argumentando das mais diversas formas.
É a essas pessoas que Allan Kardec se dirigia em larga porção da “Introdução”, da “Conclusão” e de muitos parágrafos dos extensos comentários espalhados ao longo do Livro.
O leitor da actualidade, posto de sobreaviso, vai compreender o que foi escrito e saberá levar esses textos na devida conta. Estar a argumentar com opositores incrédulos e adversários do espiritismo não faz sentido nenhum na actualidade, porque esses, muito dificilmente abrirão sequer “O Livro dos Espíritos”.
O livro propriamente dito só começa depois de toda a complicada “Introdução” e vem a seguir a um pequeno texto chamado “Prolegómenos”, palavra que quer dizer: “introdução” ou “noções preliminares de uma obra ou de uma ciência”.
O leitor deve ter a liberdade de procurar inicialmente no livro o que mais lhe interessar, lendo por aqui e por ali os temas mais apetecíveis. Poderá, para esse efeito, consultar primeiramente o Índice.

Leia e releia com atenção o que achar mais válido e interessante.

Se não estiver de acordo com o que está explicado em certo ponto, tenha a coragem de prosseguir. Adie as certezas difíceis de atingir com facilidade imediata, para que a longa jornada da vida possa abrir-lhe uma outra maneira de ver as coisas que agora não alcança, mas que tanta falta lhe fazem: o sentido otimista da vida, a esperança, a serenidade e a confiança. Se quiser prosseguir desse modo, é nossa convicta opinião que a leitura deste livro poderá ser um precioso auxiliar para atingir esses objetivos.
Não se pode esperar que a vida e o mundo, a natureza e todo o Universo sejam de entendimento imediato e fácil. Deve, pois, continuar a explorar, mais na atitude de quem estuda do que na atitude de quem lê por simples curiosidade.
O leitor que queira aprender, realmente, deve estar preparado para relacionar diversas partes do livro entre si, tentando encontrar relações coerentes entre os diversos ensinamentos. Só depois de ter feito estas explorações iniciais, com todo o interesse e vontade, valerá a pena ler o livro de uma assentada, ou passar, em alternativa favorável, à leitura de todos os escritos de Allan Kardec, incluindo o formidável conjunto da Revista Espírita, também publicada em vida pelo seu autor.

Requisitos essenciais para entender o livro e a origem dos seus ensinamentos

Sendo muito difícil avaliar a complexidade extraordinária do Universo e configurar com facilidade o significado da vida e da morte, há pessoas que desistem de compreender a realidade como projeto coerente, justo e generoso.
A ciência de observação baseada no estudo dos fenómenos espirituais, associada à enorme coerência de tudo o que nos rodeia desde o átomo às estrelas permite, pelo contrário, concluir que nada acontece de forma gratuita ou casual.
A par dessa conclusão fortemente documentável, todos nós necessitamos de construir reservas de convicção e de energia que nos auxiliem a vencer os obs­táculos com êxito, podendo, desejavelmente, ajudar quem nos rodeia, familia­res, amigos e a sociedade, com vista ao progresso, à felicidade, à verdade e à justi­ça, tais como se encontram fielmente configurados pelo conhecimento espírita.
A conclusão contrária de que o mundo e a vida resultam de acasos sem nexo, sem origem nem destino perfeitamente harmonizados, é uma desistência negligente que conduz à desmoralização, à dureza e ao medo.
As provas da coerência do plano das vidas e da natureza são tão volumosas e eloquentes, estão aqui tão próximas de cada um de nós, que não será necessário gastarmos muito tempo argumentando em seu favor. Os que ainda não atingiram esta ideia comecem a prestar atenção: ler “O Livro dos Espíritos” pode ser um bom começo.
Pensamos, portanto, de forma inabalável, que tudo o que existe deriva de uma inteligência suprema criadora de todas as coisas.
Fiquemos agora apenas por essa expressão, à qual não é necessário dar nome. É mais um sentimento que uma ideia definida que reside no íntimo intuitivo da sensibilidade. Deixemos que ela permaneça aí, onde melhor se compreende e onde mais perto está de tudo o que somos.
Quanto ao leitor que ainda duvida, esperamos com toda a convicção que nos encontre mais tarde, comungando da mesma fé que nos anima, com esperança e vontade esclarecida, harmonia e paz no coração. A criação magnânima da vontade superior que nos trouxe aqui não tem pressa. A jornada, que começou não se sabe onde nem como, continuará a desenvolver-se por todo o sempre. Tenhamos, pois, a serenidade que corresponde a esse devir sem limites nem fronteiras.
Como parte mais técnica e prática, sem cujo entendimento é impossível avançar para a leitura, é favor considerar o seguinte: apesar de dotados de importantíssimo património de capacidades orgânicas e racionais, os seres humanos entendem o Universo com ferramentas muito modestas e limitadas.
Os nossos cinco sentidos, a vista, o ouvido, o olfato, o paladar e o tato, deixam-nos a distâncias inimagináveis da realidade das coisas concretas, do mais perto ao mais longínquo, do mais pequeno ao infinitamente grande.
Tudo o que existe é muito mais do que podemos entender com essas limitadas ferramentas sensoriais, por muito completas e exigentes que sejam a nossa imaginação e a nossa inteligência.
No Universo (ou nos Universos?…) é muito mais aquilo que não se vê e não se entende, do que aquilo que se percebe e se sente com a vista e com o entendimento. A espantosa marcha da ciência tem dado passos de gigante ao tentar aproximar-se dessa enormidade de segredos. Mas quanto mais avança, mais profunda é a noção das coisas ignoradas.
Teremos que regressar ao grande Sócrates e à ideia que lhe conferiu a categoria do homem mais sábio de toda a Grécia: aquele que tinha a noção máxima de tudo o que desconhecia.
Existimos, pois, antes de nascermos neste mundo, num outro plano de que não temos conhecimento, no qual continuaremos a existir depois de falecido o corpo que nos serve de veículo existencial. O nascimento e a morte, portanto, não são o começo e o fim de tudo, e esse é um dos ensinamentos fundamentais de “O Livro dos Espíritos”.
Para confirmar factualmente essa realidade são conhecidas fontes de informação, de cuja existência há provas abundantes, que estão documentadas ao longo de toda a existência da Humanidade.

A mediunidade e a troca direta de informações entre o mundo dos vivos e o dos mortos

Havendo pessoas especialmente dotadas com mais um do que os normalíssimos cinco sentidos, têm por isso a capacidade, incompreensível para a maioria, de poderem sentir, ver e até dar voz às entidades espirituais que, depois da vida material, passam a existir no plano a que chamamos “mundo espiritual”.
Essa capacidade, esse sentido raro, chama-se “mediunidade”, porque são chamados “médiuns” os que a possuem.
Médium é uma palavra latina que signifíca “meio”, e que serve para designar o “in­termediário” ou “tradutor” das inumeráveis mensagens que têm sido trocadas entre os dois planos da existência, de forma que pode ser comprovada pela realidade dos factos.
A mediunidade é muito mais abundante do que se julga, tem graus de operacionalidade e modalidades muito diversas e já foi estudada em meio científico por diversas autoridades isentas e da maior competência, para além de se tornar evidente para qualquer pessoa que dela tenha o conhecimento direto.
“Mundo material” é o nosso, o do corpo físico que conhecemos, o mundo das coisas que vemos e palpamos à nossa volta.
O “mundo espiritual” é o mundo que não vemos, mas que se faz sentir po­derosamente, porque é nele que existimos antes e iremos existir depois, por toda a eternidade. Os contactos entre o “mundo material” e o “mundo espiritual” são contínuos e realizam-se de diversas formas desde há uma imensidade de anos.
O autor de “O Livro dos Espíritos”, Hipólito Leão Denisard Rivail, aliás Allan Kardec, organizou e sistematizou de modo filosófico um grande conjunto de apontamentos tirados de conversas tidas, ao longo de anos, entre pessoas vivas e entidades espirituais, que puderam “conversar” normalissimamente por intermédio de médiuns. Esse trabalho foi desenvolvido em França, em meados do século dezanove. O autor referido designou essa cultura como sendo: “o espiritismo, ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como das suas relações com o mundo corporal”.
É destas conversas, e dos comentários feitos pelo autor da obra a respeito das ideias por ele organizadas, que é feito “O Livro dos Espíritos”.
Segundo as conclusões seguras a que o “espiritismo” chegou, todos nós somos Espíritos, temporariamente ocupados por um breve intervalo de aprendizagens e experiências diversas através da vida no nosso corpo material.
Depois regressaremos, em paz e na maior das liberdades, ao nosso estado natural e mais permanente de Espíritos. Não se esqueçam: com letra maiúscula, por todas as razões mais nobres e mais válidas.

Notas breves sobre o método de tradução que seguimos

Sendo o francês e o português línguas da mesma família latina, tivemos a preocupação de fugir ao critério erróneo da “tradução à letra”, respeitando o fundo e não a forma das palavras do grande livro, tal como os ensinamentos nele contidos recomendam. O autor teve o intuito de escrever um livro que fosse acessível a todos os leitores da sua época. Sabemos, contudo, as profundas modificações que registaram, entretanto, todas as técnicas de comunicação. A frase mais curta, a economia de recursos de carácter retórico e enfático, a sim­plificação dos tempos verbais e muitos outros meios, foram usados por nós para facilitar a aproximação aos leitores, respeitando, entretanto, o carácter próprio que foi conferido à obra pelo seu autor.
Para além das versões em português, procurámos esclarecer muitos dos seus aspetos através de traduções noutras línguas e da pesquisa de outras obras do mesmo autor.
Consultámos, por exemplo, a tradução em castelhano de Alberto Giordano, publicada na Argentina em 1970 e influenciada pela que foi feita pelo professor brasileiro José Herculano Pires, que também analisámos com cuidado; e a excelente tradução em língua inglesa da autoria da jornalista Anna Blackwell, profunda co­nhecedora da cultura espírita, que foi contemporânea e amiga da família Rivail du­rante o tempo que viveu em Paris. A edição de que nos servimos tinha por intuito revelar a obra de Allan Kardec no universo cultural anglo-saxónico e foi publicada em Boston em 1893, mas o prefácio da autora está assinado de 1875, em Paris.
Também lemos as conhecidíssimas traduções de Guillón Ribeiro, a seu tempo dirigente da Federação Espírita Brasileira que, quando pelas primeiras vezes nos vieram à mão, desde logo despertaram em nós a determinação de fazer uma tradução para português de Portugal dos nossos dias. Com o devido respeito por esse trabalho, não foi o modelo que procurámos seguir, por razões muito concretas, mas que não é oportuno detalhar nesta breve apresentação.

A escolha das palavras

Sabendo que as palavras têm alma, usámos uma estrutura lexical coerente com o carácter filosófico e moral da obra, no contexto da sua visão otimista da magnânima obra da criação e do glorioso destino da Humanidade.
No texto original de Allan Kardec, por tendências de época que serão compreensíveis e estão bem estudadas, é usado em certas passagens do Livro algum vocabulário herdado das teorias penalizantes do universo filosófico das antigas religiões.
O aproveitamento dessas expressões nas traduções dos dias de hoje, deixou em absoluto de fazer sentido. Prosseguimos, nesta edição, no uso de referências lexicais compatíveis com a cultura que nos orienta com todo o rigor moral e toda a exigência intelectual. Porém, com uma visão do mundo, que encoraje a conquista da paz e do progresso pelo raciocínio, e da ultrapassagem do erro pelo conhecimento racional. Para colocar esta questão plano histórico cultural, sugerimos a leitura da Nota Final nº 39, que trata da “queda do homem”, e do ensino primordial das religiões dogmáticas.

Allan Kardec

Hipólito Leão Denisard Rivail,

organizador dos ensinamentos dos Espíritos

No início deste prefácio de tradutores escolhemos a grafia do nome Hipólito Leão Denisard Rivail, com os dois nomes próprios traduzidos e Denisard com “s”, como está na sua certidão de nascimento. Fizemos isso por ser a versão que nos parece mais perto da nossa língua e, especialmente, porque nos temos habituado a pensar nele como um semelhante, nosso amigo íntimo.
O destino fez com que Hipólito Leão/Allan Kardec tivesse ficado sem biografia oficial propriamente dita, feita por um contemporâneo seu. Por algu­ma coisa foi: a obra é o que interessa, ditada por narradores invisíveis, configu­rada pelo autor que organizou a mensagem.
Vale muito a pena ler tudo o que deixou escrito, sobretudo este “Livro dos Espíritos”, trabalho estruturador da mensagem de que se encarregou. De cada vez que se lê, novas coisas se descobrem e melhor se entendem o todo e os por­menores. Será estudo útil para os que desejam encontrar o fio da vida, tantas vezes encarada como drama sem solução, e serem capazes de construir agora um destino que valha a pena, com alegria e entusiasmo, porque há um depois!…
Hipólito Leão começou a interessar-se pelo tema que iria tratar de forma tão brilhante e generosa numa posição distanciada de qualquer crença, outros- sim cuidadosamente positivista e até cautelosamente cético, numa idade de ple­na maturidade, apenas por ter sido insistentemente convidado por amigos para esse efeito.
O trabalho, que começou aos 55 anos de idade (numa época em que a esperança de vida era muito inferior à da atualidade), foi levado a cabo com de­dicação total, mediante um esforço hercúleo, sem medida, que de certa forma conduziu ao desenlace da sua vida.
Convém referir que o modelo expositivo que serve à estruturação de O Livro dos Espíritos, desenvolvido nas restantes obras de Allan Kardec, obedece ao formato que durante os séculos XVIII e XIX constituía os princípios da exposição cientifica clássica, definindo ordenadamente:

1° – A escolha do objeto de estudo, que se conclui ser o Espírito, tratado no Livro Primeiro (As Causas Primárias);
2° – A análise do objeto de estudo, ou seja, a consideração e avaliação de toda a fenomenologia que constitui a sua razão de ser, que é tratada no Livro Segundo (O Mundo Espírita ou dos Espíritos);
3° – O estabelecimento das leis que regulam esse conjunto de fenómenos, que é feito no Livro Terceiro (sobre as Leis Morais);
4° – A dedução das consequências da aplicação dessas leis, que é feita no Livro Quarto (sobre as Esperanças e Consolações).

O critério de Hipólito Leão, em todo o imenso trabalho que efetuou, nun­ca foi o de se promover pessoalmente à condição de dirigente ou autoridade ideológica e muito menos religiosa. A metodologia utilizada para a estrutura­ção do “corpus” de informações e saberes científico-filosóficos que levou a cabo foi isenta de segundos sentidos de proveito pessoal ou institucional.

O professor Hipólito Rivail desaconselhou os grandes coletivos espiritas

Obedecendo a critérios que foi enunciando em diversas intervenções, nunca favoreceu o agrupamento de grande número de adeptos em instituições federativas as quais, de antemão, declarou perniciosas, por facilitarem a arqui­tetura do poder e a manipulação das consciências.
Toda a realidade que se seguiu ao seu falecimento, quer em França, quer no estrangeiro, deu plena razão às previsões e avisos que formulou.
Os pequenos grupos de cidadãos, harmonicamente associados numa con­vivência produtiva de pensamento claro e de reta consciência, na obediência da razão crítica e do diálogo construtivo, formam o modelo mais claramente por si recomendado para constituir a sociedade espírita.
Em síntese, fique esclarecido que a obra traduzida e a filosofia que encerra oferecem uma visão otimista da vida, liberta de dogmatismo, verdadeiramente emancipadora da Humanidade e produtora de paz, na igualdade entre todos os seres humanos.
Consideramos ainda que O Livro dos Espíritos defende, com o máximo respeito, a integridade ecológica do planeta que habitamos, o direito à dignida­de, à justiça e à máxima felicidade de todos os seres que nele habitam.
A característica essencial desta tradução, que sugere a passagem de toda a obra de Kardec para o português de Portugal/2018, num clima cultural aberto, é propor o regresso metódico a uma obra muito conhecida pelo seu nome, mas escassamente debatida; abrindo o seu acesso, se possível, a novos públicos e a jovens inquietos pelo grande mistério da sua origem e do seu destino.
Para esta terceira edição foram cuidadosamente revistos e ampliados os seus conteúdos de referenciação cultural, além de se ter procurado com mais abertura uma versão mais próxima da nossa linguagem de todos os dias, usando as prodigiosas qualidades estético-culturais de que dispõe a magnífica língua portuguesa.
Consideramos, não obstante, que a nossa tarefa de ler atentamente o que nos deixou Allan Kardec, não fica por aqui. A sua leitura em português dos nossos dias faz parte de um debate de ideias que gostaríamos de ver par­tilhado e enriquecido pelo maior número de leitores, espíritas e não espíritas.

O destino adequado para O Livro dos Espíritos não é permanecer imóvel, como peça sacralizada de ideias petrificadas. Julgamos que deve ser entendido por todos os seus leitores de antes, de agora e do futuro, como uma obra ener­gicamente VIVA e justificadamente ABERTA.

Entregamo-lo a todos os prezados leitores com os melhores votos de feliz e proveitosa leitura

José da Costa Brites e Maria da Conceição Brites
Setembro de 2018

Um convite, para desafiar os leitores…

Quem puder ler esta página a respeito da nossa tradução de “O Livro dos Espíritos” também poderá ler o livro todo, visto que se encontra à disposição de todos para descarregarem livremente.
Lê-lo, é só começar, continuar até ao fim, não custa nada…

Nós, para traduzir e rever vários livros fundamentais do mesmo autor, já os lemos, nas várias línguas, mais de 100 vezes, sem exagero nenhum. E cada vez que os lemos, aprendemos sempre coisas em que não tínhamos reparado bem nas vezes anteriores, e que valeram sempre bem essas novas leituras.

Depois de ler a folha abaixo, façam-nos o favor:

como é evidente, a primeira página do Prefácio dos tradutores não acaba aqui….

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O espiritismo é uma religião? / Lembrar Humberto Mariotti

[1 – O espiritismo é uma religião?]

– in Prefácio dos tradutores, Carácter da obra e suas qualidades essenciais.

este texto, seguido por uma alusão documentada a respeito de Humberto Mariotti, aqui citado, é a primeira Nota Final (página 307) que se encontra inserida na nossa tradução de “O Livro dos Espíritos”.

Este é um assunto que tem tido interpretações diferentes no meio espírita. No livro “O que é o Espiritismo”? Kardec diz-nos:

“O espiritismo é ao mesmo tempo uma ciência de observação e uma filosofia. Como ciência prática, trata das relações que se podem estabelecer com os Espíritos; como filosofia, esclarece as consequências morais derivadas dessas relações”.

Numa definição de espiritismo tão clara como esta, Allan Kardec não mencionou o termo “religião”.

Talvez prevendo que esse problema pudesse colocar-se no futuro, explicou muito bem o seu ponto de vista no discurso que fez na Sociedade de Paris no dia 1 de novembro de 1868, publicado na Revista Espírita do mês seguinte com o título: “O espiritismo é uma religião”? Todo o artigo é bastante importante e merece uma leitura integral. Porque é muito longo, vamos aqui ver só alguns excertos.

Kardec utiliza como ponto central do seu discurso a importância daquilo a que chamou “a comunhão de pensamentos.” Falou do poder da união de pensamentos capaz de gerar reações extraordinárias de efeitos morais e físicos.

Revista Espírita de dezembro de 1868 (excertos):

“…Todas as reuniões religiosas, seja qual for o culto a que pertençam, são fundadas na comunhão de pensamentos; com efeito, é aí que podem e devem exercer a sua força, porque o objetivo deve ser a libertação do pensamento das amarras da matéria. Infelizmente, a maioria afasta-se deste princípio à medida que a religião se torna uma questão de forma. Disto resulta que cada um, fazendo o seu dever consistir na realização da forma, julga-se livre de dívidas para com Deus e para com os homens, já que praticou uma fórmula. Resulta ainda que cada um vai aos lugares de reuniões religiosas com um pensamento pessoal, por sua própria conta e, na maioria das vezes, sem nenhum sentimento de fraternidade em relação aos outros assistentes; fica isolado no meio da multidão e só pensa no céu para si mesmo.

Por certo não era assim que o entendia Jesus, ao dizer: “Quando duas ou mais pessoas estiverem reunidas em meu nome, aí estarei entre elas.” Reunidos em meu nome, isto é, com um pensamento comum; mas não se pode estar reunido em nome de Jesus sem assimilar os seus princípios. Ora, qual é o princípio fundamental da mensagem de Jesus ? A caridade em pensamentos, palavras e ações…”

“…Se é assim, perguntarão: então o espiritismo é uma religião ? Sem dúvida! No sentido filosófico, o espiritismo é uma religião, e vangloriamo-nos por isso, porque funda os vínculos da fraternidade e da comunhão de pensamentos, não sobre uma simples convenção, mas sobre bases mais sólidas: as próprias leis da Natureza.

Por que motivo, então, temos declarado que o espiritismo não é uma religião ?

Por não haver senão uma palavra para exprimir duas ideias diferentes, e que, na opinião geral, a palavra religião é inseparável da de culto; porque desperta exclusivamente uma ideia de forma, que o espiritismo não tem.

Se o espiritismo se dissesse uma religião, o público não veria aí mais que uma nova edição, uma variante, se se quiser, dos princípios absolutos em matéria de fé;

uma casta sacerdotal com seu cortejo de hierarquias, de cerimónias e de privilégios; não o separaria das ideias de misticismo e dos abusos contra os quais tantas vezes a nossa opinião se levantou.

Não tendo o espiritismo nenhuma das características de uma religião, na aceção usual da palavra, não podia nem devia enfeitar-se com um título sobre cujo valor inevitavelmente se teria equivocado. Eis por que motivo simplesmente se diz: pensamento filosófico e moral.

As reuniões espíritas podem ser feitas religiosamente, isto é, com o recolhimento e o respeito que comporta a natureza grave dos assuntos de que se ocupam; pode-se mesmo, na ocasião, aí fazer preces que, em vez de serem ditas em particular, são ditas em comum, sem que, por isto, sejam tomadas por assembleias religiosas.

Não se pense que isto seja um jogo de palavras; a nuance é perfeitamente clara, e a aparente confusão não provém senão da falta de uma palavra para cada ideia …”

 

CONCLUSÕES:

Lidos atentamente estes excertos da Revista Espírita, ficamos com ideias suficientemente esclarecidas para não confundirmos o espiritismo com as organizações histórico-culturais dogmáticas, com fortíssimas ligações aos poderes político-estratégicos, que têm assumido o papel das:

“…castas sacerdotais com seu cortejo de hierarquias, cerimônias e privilégios”; (…) e das “.ideias de misticismo e dos abusos contra os quais tantas vezes a nossa opinião se levantou.”

Humberto Mariotti (1905 – 1982) grande intelectual que foi por duas vezes presidente da Confederação Espírita Argentina, no fim dos anos 30 e durante os anos 60 do século XX, elaborou no prólogo escrito para a obra El Sermón de la Montana, uma síntese especialmente feliz que nos ajuda a acomodar uma cultura científico-filosófica de índole positiva e racionalista, com a espiritualizada atitude íntima de tantos dos adeptos espíritas:
“…O espiritismo, nos estudos universais que realiza,
dedica à inteligência a ciência,
ao pensamento a filosofia
e ao sentimento a religião…”

Esta distribuição dos diferentes horizontes que o espiritismo contempla, pelas diversas formas do potencial humano, permite-nos acomodar a análise da fenomenologia mediúnica com o pensamento racional e com a subjetividade íntima. Os factos devem ser considerados como factos, as ideias ordenadas como ideias, restando livres os sentimentos para vibrar do modo que mais convier à pessoa. Isso só pode suceder num plano totalmente livre dos constrangimentos do dogma, do pensamento fechado, da repressão íntima e da intolerância coletiva.

Os adeptos e estudiosos do espiritismo são tão fortemente sensíveis à ideia de Deus como ao uso da razão crítica; são tão assíduos praticantes e beneficiários da prece, como estão disponíveis para entender a complexidade do mundo e a memória da Humanidade e as suas contradições.

O desenvolvimento das relações sociais e as contingências do trabalho e da vida não os incapacitam de se sentirem perto dos seus queridos ausentes, íntimos confidentes e agentes invisíveis da espiritualidade envolvente.

Porque é sempre possível analisar racionalmente factos concretos, ao mesmo tempo que se organizam ideias produtivas e harmoniosas enquanto se eleva o pensamento a Deus com um sorriso, uma lágrima ou uma prece. (JCB/MCB)

 

HUMBERTO MARIOTTI

O GRANDE PEDAGOGO ESPÍRITA / MEMBRO DA Confederação Espírita Argentina    (1905 – 1982)

O site vem apresentar mais um grande Gigante e Divulgador da Doutrina Espírita originário dos Países da América Espanhola.

Apresentação da biografia:
Humberto Mariotti, filósofo, poeta, jornalista, escritor e dirigente espírita, nasceu em Zárate, província de Buenos Aires, Argentina, em 11 de junho de 1905. Desde cedo manifestou uma inteligência precoce e vocação para a literatura. Frequentou cursos de veterinária, jornalismo, pedagogia em 1923, 1940 e 1947, respectivamente. A filosofia, a literatura e a zoologia foram suas grandes paixões. De 1937 a 1960 atuou como jornalista e foi professor em vários estabelecimentos de ensino privados.

Na mocidade exerceu expressiva liderança no movimento juvenil espírita argentino. Nesse período tomou contato com o pensador espírita Manuel S. Porteiro (1881-1936), cujo pensamento influenciou decisivamente seu modo de agir e pensar. Tornou-se amigo, companheiro e fiel seguidor das ideias de Porteiro.

Ao lado do escritor e conferencista espírita Santiago Bossero (1903-1967), costumava frequentar a humilde residência de seu mestre, onde passavam dias debatendo, estudando e escrevendo sobre Espiritismo. Os dois chegavam num Ford repleto de mantimentos e as conversas, regadas a mate e muito bom humor, certamente ficaram marcadas de forma indelével no jovem Mariotti.

Porteiro e Mariotti formavam uma dupla doutrinária admirável. Ambos foram eleitos para representar a Confederação Espírita Argentina (CEA) no V Congresso Espírita Internacional, realizado em Barcelona, na Espanha, de 1º a 10 de setembro de 1934. Mariotti tinha nessa época 29 anos. Porteiro era o presidente da CEA e Mariotti, o secretário-geral.

A defesa radical do Espiritismo como ciência integral e progressiva, sem os prejuízos do sincretismo e do religiosismo, pode ser conferida nos anais desse importante evento, com notável participação da delegação argentina, especialmente de Porteiro e Mariotti, contrários às tendências religiosas e esotéricas que disputavam espaço com os espíritas kardecistas nesse congresso.

Mariotti acompanhou os últimos momentos de Porteiro. Quando adoeceu e teve de amputar uma perna, ele e Bossero providenciaram a prótese, a perna mecânica para o amigo. Em seu passamento, foi Mariotti quem proferiu o discurso fúnebre.

Fiel ao pensamento de seu mestre, Mariotti prosseguiu no trabalho de divulgação espírita, destacando-se como escritor, dirigente espírita e eloquente conferencista. A Confederação Espírita Pan-americana foi fundada em 1946 sob sua orientação, da qual ocupou a vice-presidência em duas oportunidades. Também presidiu a Confederação Espírita Argentina em duas gestões (1935-37 e 1963-67).

No dia-a-dia do movimento espírita, Mariotti militou na Sociedade Espírita Victor Hugo, que presidiu ao lado de Bossero por várias gestões. Dirigiu por muitos anos a revista La Idea, órgão de divulgação da CEA. Como educador espírita, atuou no Instituto de Enseñanza Espírita, tendo sido presidente e secretário de propaganda do Ateneo de Letras y Artes, extinta entidade educativa mantida pela confederação argentina. Alguns anos antes de desencarnar, atuou como dirigente da Sociedad Constancia, de Buenos Aires. Além dessas atividades, Mariotti também foi médium psicógrafo e psicofônico.

Foi um notável poeta, aclamado e respeitado, inclusive no meio não-espírita. Em sua verve poética, desenvolveu o que chamava de poesia secreta, com pleno destaque temático ao caráter numinoso, metafísico e espiritualista, cuja inspiração nos princípios espíritas era evidente. Demonstrou também especial interesse pela poesia mediúnica do médium Chico Xavier.

Proferiu conferências em diversos países da América Latina – no Chile, Colômbia, Uruguai, Porto Rico e, especialmente, no Brasil –, devido aos laços de amizade com os escritores espíritas Deolindo Amorim e Herculano Pires.

Seus livros e artigos foram publicados em quase todos esses países, inclusive na Europa. Na Argentina, além das publicações espíritas, muitos periódicos não-espíritas editavam seus artigos aos domingos. No Brasil, escreveu para várias revistas espíritas como Aurora, Reformador, Educação Espírita, Revista Internacional de Espiritismo; e nos periódicos espíritas Espiritismo e Unificação, Mundo Espírita, dentre outros.

Podemos ver seus textos e ensaios nos anais do Instituto de Cultura Espírita do Brasil (ICEB) e nos congressos realizados pela saudosa Associação Brasileira de Jornalistas e Escritores Espíritas (ABRAJEE). Colaborou também durante muitos anos com a revista Estudos Psíquicos, de Portugal.

A partir dos anos 60, Mariotti adere a princípios e conceitos mais próximos ao pensamento do filósofo espírita brasileiro Herculano Pires, distanciando-se de Porteiro. Passa a admitir a conceituação tríplice do Espiritismo, dando especial ênfase ao aspecto religioso da doutrina espírita. É muito provável que devido a essa mudança de rumo, seus textos puderam ser aceitos e publicados por instituições espíritas de orientação religiosa, como a Federação Espírita Brasileira.

Todavia, isso não descarta seu brilho intelectual e a capacidade impressionante de correlacionar a filosofia espírita com as questões mais prementes de nosso tempo, sempre numa linguagem vibrante, visionária e, em muitos momentos, mais poética do que filosófica, quase profética. Sua obra filosófica e literária é vasta, difícil de se abarcar de modo completo.

Muitos escritos seus ainda estão inéditos e grande parte de sua produção intelectual ainda permanece desconhecida.

A relação completa das obras desse grande pensador espírita portenho ainda está por ser feita. Relacionamos a seguir as mais conhecidas, algumas com a data de lançamento. A maioria está indisponível. Mesmo assim, dá para se ter uma ideia da variedade de sua produção intelectual:

• Dialéctica y Metapsíquica (1940);
• Víctor Hugo y la Filosofia Espirita (1955);
• Parapsicología y Materialismo Histórico (1963);
• De La Esencia a La Existencia (1968);
• El Espíritu, la Ley y la Historia (1968);
• Significado Existencial del Acto Poético;
• Don Pancho Sierra, Resero del Infinito;
• Pancho Sierra y el Porvenir de la Medicina;
• Los Ideáis Espiritas en la Sociedad Moderna;
• El Ocultismo Numinoso en el Fenómeno Poético;
• Victor Hugo, el Poeta del Más Allá;
• En Torno al Pensamiento Filosófico de J. Herculano Pires;
• Vida y Pensamiento de Manuel Porteiro;
• Herculano Pires: Filósofo y Poeta;
• Los Asombros Terrestres;
• La Parapsicología a la Luz de la Filosofía Espirita; • La Muerte de Dios.
Poesia:
• Canciones Escritas a la Luz de la Luna (1950);
• Canciones Escritas en una Vida Anterior (1951);
• Canciones que Vienen del Alba (1967);
• Los Asombros Terrestres (1967);
• Pájaros del Arco Iris (1968) – prêmio Fondo Nacional de las Artes; • Marietta.
Obras Inéditas:
• El Alma de los Animales a Luz de la Filosofía Espirita; • La Zoofilosofía en la Metafísica del Occidente;
• El Pensamiento Espiritualista de A. L. Palácios.

Para ver e baixar as suas obras:
http://www.autoresespiritasclassicos.com/Autores%20Espiritas%20Classicos%20%20Diversos/Humberto%20Mariotti/Humberto%20Mariotti.htm

Humberto Mariotti desencarnou em 17 de maio de 1982. Foi sepultado no dia seguinte, no Cemitério do Oeste, em Buenos Aires, com a presença de uma grande quantidade de espíritas, amigos e admiradores. Margarita S. de Testa, representando a Federação Argentina de Mulheres Espíritas, César Bogo pela Confederação Espírita Argentina e Dante Culzoni Soriano, da Confederação Espírita Pan-americana, foram algumas das lideranças espíritas presentes no sepultamento.

Fontes de consulta:

• Os Mestres do Espírito – Planeta Especial. Tradução Luís Carlos Lisboa, 1ª edição, São Paulo, Editora Três, s/d.
• Humberto Mariotti, por Natalio Ceccarini in revista Aurora – ano IV – nº 9 – agosto de 1982, Rio de Janeiro. Revista dirigida por Ademar Constant.
• El Espiritismo y la Creación Poética – Jon Aizpúrua – 1ª edição – Ediciones CIMA – Caracas, Venezuela, 1993.
• Anais do V Congreso Espiritista Internacional – Libro Resumen – Barcelona – 1º al 10 de septiembre de 1934 – Edição digital produzida pela Área de Internet da Federação Espírita Espanhola.

Contracapa – vale a pena ler

NOTA: estas notícias têm interesse, mas dizem respeito às primeiras duas edições da nossa tradução de O LIVRO DOS ESPÍRITOS, que foram revistas e melhoradas pela TERCEIRA EDIÇÃO. É favor consultar também:

Terceira edição revista da tradução de O LIVRO DOS ESPÍRITOS, edição livre e aberta para todos

Contracapa da obra publicada.
para poder ler: é favor clicar e ampliar imagem.

O arranjo gráfico da primeira/segunda edições foi da autoria de Ulisses Lopes.

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Duas leis morais que mudam de nome

“passagem para a Atlântida”, grafite e acrílico s/ tela s/ platex, Costa Brites 1998

 Livro III Capítulo V e Capítulo VI

Continuamos a abordar na última série de notícias aqui publicadas, temas relacionados com a nossa tradução de “O Livro dos Espíritos”, convictos – da nossa parte – que a análise aprofundada dos aspectos linguísticos que com o mesmo se relacionam, se encontra apenas no seu começo. Isso também faz parte da ideia que apresentámos de fazer de “O Livro dos Espíritos uma Obra Viva e Aberta.

A revisão linguística a que procedemos vai ser muito incompletamente apreciada se os leitores só repararem na mudança do nome de duas das leis morais.
Realmente, a tradução foi muito mais além, e só daqui a algum tempo isso irá tornar-se claro.
A mudança do nome de duas leis (a lei da destruição, que para nós fica designada como lei da transformação; e a lei da conservação, que para nós fica designada como lei da sobrevivência) não obedece ao capricho de marcar diferenças, mas única e simplesmente porque consideramos que as traduções até agora em vigor são equívocos sérios do ponto de vista cultural e filosófico, mais do que simples erros de opção formal. Ora vejamos:

A palavra “transformação”

Perguntas 728 a 736 (sobre a ideia da morte como transformação necessária ou como destruição abusiva)
A palavra francesa “destruction”, nas várias versões em língua portuguesa de “O Livro dos Espíritos” foi, até ao presente, traduzida pela palavra “destruição”. Prevaleceu o conceito incorreto da “tradução à letra”.
Assinalemos o distanciamento semântico da palavra “destruição” relativamente à ideia da morte como momento feliz de regresso à pátria espiritual, episódio natural da transformação evolutiva, permanente e universal, que caracteriza a cosmovisão espírita.
Nos dicionários de português o primeiro significado da palavra destruir é: “proceder à destruição de; causar destruição em; demolir, arrasar; aniquilar”. Esses significados remetem o termo para o seu mais nítido campo significativo, tal como está claramente definido na pergunta n° 752 desta mesma obra, ao definir de modo contundentemente negativo o “instinto de destruição”:

Podemos ligar o sentimento de crueldade ao instinto de destruição?
É o instinto de destruição no que ele tem de pior, porque se a destruição é às vezes necessária, a crueldade nunca é necessária. Ela é sempre a consequência de uma natureza má.

De resto, o próprio teor da pergunta n° 730 vem em apoio do que dizemos acima:

Uma vez que a morte deve conduzir-nos a uma vida melhor, livrando-nos dos males deste mundo, sendo mais de desejar do que de temer, porque é que o ser humano tem por ela um horror instintivo que a torna motivo de receio?

Como forma de justificar a adoção da palavra “transformação” como tradução mais correta de “destruction”, para além da pesquisa feita na base de dados Ortolang, podemos ainda socorrer-nos de outros momentos desta mesma obra de Allan Kardec. Recorremos ao texto em francês da resposta a esta mesma pergunta n° 728, que é totalmente eloquente a este respeito:

Il faut que tout se détruise pour renaître et se régénérer ; car ce que vous appelez destruction n’est qu’une transformation qui a pour but le renouvellement et l’amélioration des êtres vivants.

Traduzindo : É necessário que tudo se extinga, para que renasça e se regenere; porque aquilo que chamais a morte do ser vivo é apenas uma transformação que tem por objetivo a renovação e o melhoramento de todos eles.

No comentário à pergunta n° 182, Allan Kardec esclarece que nos mundos mais evoluídos do que a Terra, a morte não causa a mínima apreensão aos Espíritos, porque a aceitam sem temor, como uma simples “transformação”:

L’intuition qu’ils ont de leur avenir, la sécurité que leur donne une conscience exempte de remords, font que la mort ne leur cause aucune appréhension; ils la voient venir sans crainte et comme une simple transformation.

Traduzindo: A intuição que têm do futuro, a segurança que lhes dá uma consciência isenta de remorsos, fazem com que a morte não lhes cause nenhuma apreensão: vêem-na aproximar-se sem medo e como uma simples transformação.

Isto é: A intuição que têm do futuro, a segurança que lhes dá uma consciência isenta de remorsos, fazem com que a morte não lhes cause nenhuma apreensão: veem-na aproximar-se sem medo e como uma simples transformação.
Coube ao francês Antoine Lavoisier a honra de dar nome a essa importantíssima lei da ciência, que encerra até profundo significado filosófico, mediante a conhecidíssima expressão: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”.
As razões de natureza científico-cultural que podem ter levado Allan Kardec à adoção do termo “destruction”, neste capítulo de “O Livro dos Espíritos”, foram esclarecidas por Gabriel Delanne, um dos mais importantes seguidores de Kardec, na sua obra “L’Evolution Animique”, no que toca às investigações e descobertas efetuadas, por altura da publicação de “O Livros dos Espíritos”, pelo cientista francês Claude Bernard, fundador da medicina experimental, sobretudo na sua obra publicada em Paris no ano de 1867 “Principes de Médecine Expérimentale”.
Quanto ao uso corrente da língua portuguesa, se alguém morre de morte natural ou acidental, ninguém dirá entre nós – em sentido próprio – que essa pessoa “se destruiu” ou “foi destruída”.

Juntámos aos argumentos disponíveis no próprio texto do original redigido por Allan Kardec, o comentário seguinte:

A morte, transformação libertadora

Pergunta 339 (O momento da encarnação é seguido de perturbação semelhante ao que se verifica na desencarnação?)

A morte aparece na resposta a esta pergunta bem caracterizada como uma transformação libertadora, o contrário da destruição: “na hora da morte, o Espírito deixa a escravidão”. A que corresponde, no original: “A la mort, l’Esprit sort de l’esclavage”.

A palavra “sobrevivência”

Perguntas 702 – 703 (sobre o instinto de sobrevivência)
Preferimos a palavra “sobrevivência” à palavra “conservação”, pela contaminação semântica que esta arrasta consigo, longe da generalidade antropológica que oferece a primeira. Ao fazer esta opção, sabemos que estão a ser quebrados velhos hábitos de tradução de “O Livro dos Espíritos” para a língua portuguesa. Julgamos, entre outras razões, que foi o conceito da “tradução à letra”, que de maneira nenhuma perfilhamos, que justifica a tradução do termo francês original “conservation” pelo termo português “conservação”.
Consultando muito cuidadosamente a base de dados francesa Ortolang, criada pelo CNRTL-Centre National de Ressources Textuelles et Lexicales, uma boa quantidade de razões recomenda a opção do termo “sobrevivência” e outras tantas razões prejudicam a escolha do termo “conservação”.
Poderia até esta última ser preferida, caso se compusesse com uma segunda palavra, isto é: “conservação da espécie”. Mas a ideia de “sobrevivência” tem maior grau de generalidade e é mais adequada à variedade de usos que a palavra tem ao longo de “O Livro dos Espíritos”, onde o uso do termo “conservação” sempre apresenta inconvenientes expressivos. Concentrar a designação da lei numa só palavra também é vantajoso..

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ALLAN KARDEC desaconselhou grandes coletivos espíritas

Dando sequência ao primeiro destaque das Notas Finais da nossa tradução para a língua portuguesa de Portugal dos nossos dias, estamos hoje a inserir  a Nota Final  que tem por tema “a organização do espiritismo”, com o qual Allan Kardec muito se preocupou durante todo o período que tão afincada e generosamente se dedicou à sua tarefa de organizar o espiritismo (usando as suas póprias palavras).
Allan Kardec foi muito claro nos avisos que fez a esse respeito, por ter adivinhado os riscos que corria o espiritismo face às perspectivas de apropriação por grandes grupos organizados de uma doutrina que tem essencialmente a ver com a íntima atitude espiritual de cada pessoa, sob a orientação do raciocínio desinteressado  e da reta consciência moral.


[ Allan Kardec e a organização do espiritismo] Nota Final situada na página nº 257 da primeira edição.

Muitas foram as intervenções de Allan Kardec, de que eloquentemente nos falam os seus livros e a Revista Espírita, a respeito da organização do espiritismo e dos cuidados que os seus dirigentes deverão tomar para impedir a centralização abusiva e os desvios dogmáticos.
Notemos que têm sido esses vícios que, há milénios, têm retirado à Humanidade a capacidade de se auto determinar social, cultural e moralmente. Fundamental é que a cultura espírita possa configurar-se como abordagem racional, tolerante e objectiva do mundo e da vida, de modo a permitir a realização concreta da Lei do Progresso.
As citações abaixo não passam de referências esparsas colhidas através da leitura das fontes indicadas. Contudo, ao mesmo tempo que designam os núcleos pouco numerosos de interessados como forma ideal de agremiação espírita, afirmam a decidida rejeição das várias formas de concentração de poder nas organizações espíritas, que possam reduzir o seu sentido de honestidade moral e intelectual.

Revista Espírita de Dezembro de 1861, sobre “Organização do Espiritismo”

“…aos que têm a coragem da sua opinião, e que estão acima das mesquinhas considerações mundanas, diremos que o que têm a fazer se limita a falar abertamente do Espiritismo, sem afectação, como de uma coisa muito simples e muito natural, sem pregá-la, e sobretudo sem buscar nem forçar convicções, nem fazer prosélitos a todo custo. O Espiritismo não deve ser imposto. Vem-se a ele porque dele se necessita, e porque ele dá o que não dão as outras filosofias…”
“…é sabido que as grandes reuniões são menos favoráveis às belas comunicações e que as melhores são obtidas nos pequenos grupos. É necessário, pois, empenhar-se em multiplicar os grupos particulares. Ora, como dissemos, vinte grupos de quinze a vinte pessoas obterão mais e farão mais pela propaganda do que uma sociedade única de quatrocentos membros.…”
“…Quer a sociedade seja una ou fraccionada, a uniformidade será a consequência natural da unidade de base que os grupos adoptarem. Ela será completa em todos os grupos que seguirem a linha traçada pelo Livro dos Espíritos e o Livro dos Médiuns. Um contém os princípios da filosofia da ciência; o outro, as regras da parte experimental e prática. Essas obras estão escritas com bastante clareza para não dar lugar a interpretações divergentes, condição essencial de qualquer nova doutrina…”

“O Livro dos Médiuns” − Segunda parte

– “Das manifestações espíritas” Capítulo XXIX – “Das reuniões e das Sociedades Espíritas”:
“…A grande dificuldade de reunir grande número de elementos homogéneos (…) leva-nos a dizer que, no interesse dos estudos e por bem da causa mesma, as reuniões espíritas devem tender antes à multiplicação de pequenos grupos, do que à constituição de grandes aglomerações….”
“…As grandes assembleias excluem a intimidade, pela variedade dos elementos de que se compõem; exigem sedes especiais, recursos pecuniários e um aparelho administrativo desnecessário nos pequenos grupos. A divergência de carácter, das ideias e das opiniões, é nelas mais frequentes e oferece aos Espíritos perturbadores mais facilidade para semearem a discórdia. Quanto mais numerosa é a reunião, tanto mais difícil é conterem-se todos os presentes…”
“…Os grupos pequenos jamais se encontram sujeitos às mesmas flutuações. A queda de uma grande Associação seria um insucesso aparente para a causa do Espiritismo, do qual os seus inimigos não deixariam de tirar partido. A dissolução de um grupo pequeno passa despercebida e, além disso, se um se dispersa, vinte outros se formam nas proximidades. Ora, vinte grupos, de quinze a vinte pessoas, terão mais êxito e muito mais farão pelo ensino do espiritismo, do que uma assembleia de trezentos ou de quatrocentos indivíduos…”

Revista Espírita de Dezembro de 1868; “Constituição transitória do Espiritismo”:

“…Estabelecida a necessidade de uma direção, de quem receberia poderes o seu chefe? Será aclamado pela totalidade dos adeptos dispersos pelo mundo inteiro? É uma coisa impraticável. Se se impuser pelo seu próprio poder, será aceite por uns, rejeitado por outros e vinte pretendentes poderão surgir disputando a sua posição: seria ao mesmo tempo o despotismo e a anarquia. Semelhante ato seria próprio de um ambicioso, e ninguém seria menos adequado que um ambicioso, e por isto mesmo orgulhoso, para dirigir uma doutrina baseada na abnegação, no devotamento, no desinteresse e na humildade. Estando fora do princípio fundamental da Doutrina, não poderia senão falsear-lhe o espírito….”
“…pretender que o Espiritismo em toda a parte seja organizado da mesma maneira; que os espíritas do mundo inteiro sejam sujeitos a um regime uniforme, a uma mesma maneira de proceder; que devam esperar a luz de um ponto fixo no qual deverão fixar-se, seria uma utopia tão absurda como esperar que todos os povos da Terra formem uma só nação, governada por um único chefe, regida pelo mesmo código de leis e sujeita aos mesmos costumes…”
“…O Espiritismo é uma questão de essência; ligar-se à forma seria uma puerilidade indigna da sua grandeza. Os verdadeiros centros espíritas deverão dar-se as mãos fraternalmente e unirem-se para combater os seus inimigos comuns: a incredulidade e o fanatismo…”

PowerPoint sobre a nossa tradução de “O Livro dos Espíritos”

 

NOTA: estas notícias têm interesse, mas dizem respeito às primeiras duas edições da nossa tradução de O LIVRO DOS ESPÍRITOS, que foram revistas e melhoradas pela TERCEIRA EDIÇÃO. É favor consultar também:

Terceira edição revista da tradução de O LIVRO DOS ESPÍRITOS, edição livre e aberta para todos

Para ter acesso ao PowerPoint é favor clicar na imagem

Razões que tivemos para realizar a tradução de “O Livro dos Espíritos”, o seu Prefácio e as suas Notas finais

1 – Insatisfação pelas versões conhecidas em português do Brasil, e o desconhecimento de uma tradução disponível em Português de Portugal que correspondesse às nossas expectativas;
2 – O valor da obra, a sua cosmovisão progressista, optimista e emancipadora, que abre de par em par as portas de uma cultura cientifico-filosófica com objectivos morais, estimulou o gosto de a estudar com método e de a traduzir com rigor para nosso próprio uso;
3 – As Notas finais resultaram do grande interesse do trabalho de pesquisa a respeito da obra de Allan Kardec, cujos benefícios desejámos partilhar com os leitores, cientes de que fica muito por saber e muito por investigar.
4 – Concebida como trabalho para uso pessoal, esta tradução foi feita por puro gosto, sem interesses materiais ou pessoais. O seu resultado final foi eleito à categoria de ato de partilha, para ajudar o maior número possível de leitores a esclarecerem o funcionamento do Universo, a sua origem e o seu destino, que são os temas de que trata “O Livro dos Espíritos”.

José da Costa Brites e Maria da Conceição Brites
22 de Abril de 2017
Nos 160 anos de “O Livro dos Espíritos”.

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